domingo, 7 de abril de 2019

Mensagem aos amigos

Há muito tempo eu não atualizo este blog. Mas hoje, abrindo algumas pastas antigas, encontrei esta mensagem que escrevi aos amigos logo após a morte do meu pai, Eduardo Veiga de Mattos. E estou compartilhando aqui como registro dessa homenagem, escrita alguns dias depois de sua partida, que este ano vai completar 25 anos.

Mensagem aos amigos
Rio de Janeiro, 8 de novembro de 1994

Temos chorado a dor da saudade
Temos chorado a dos desta perda
Mas conhecendo de Deus a bondade
Nosso Eduardo está bem, com certeza!

A sua fé deu-lhe força constante
Viveu feliz, sempre olhando pra frente
Não reclamou desta vida um instante
Ele é exemplo perene pra gente

Entre seus livros, fiel companhia
A Bíblia teve o devido lugar
E um dos trechos que ele mais lia
Eu ousei adaptar

O Senhor é seu Pastor
Por isso nada lhe faltou
Em verdes prado o fez repousar
Conduzindo-o junto às águas refrescantes

Ainda que tenha atravessado o vale escuro
Nada mais temerá, pois o Senhor está com ele
E habitará na casa do Senhor
Por longos dias...

Documento original, rascunho, 1994.

sábado, 23 de julho de 2016

Carta para o papai

Os mais jovens devem ter dificuldade para imaginar um mundo sem internet. Sem comunicação instantânea. E foi esta semana, ao ler a notícia sobre o bloqueio do WhatsApp por algumas horas, que me lembrei de voltar a este blog e falar sobre comunicação... por carta!

As vida de viajante do meu pai, fez com que as cartas fossem uma realidade no dia a dia da nossa família.  Era através delas que muitas conversas aconteciam. Até coisas simples ficavam registradas no papel. As comunicações por carta exigiam um planejamento para que chegassem ao destinatário. Afinal, alguém pode pensar, como as cartas podiam chegar a um navio? A regra era conhecer a programação do navio, identificando os locais de passagem e as datas previstas. Com esses dados, elas iam pelo correio ou pela própria empresa, seja por um serviço de malote ou ainda por colegas de trabalho. Em outros registros deste blog, eu mencionei que meu pai estava sempre escrevendo. Por vontade, gosto ou necessidade.

Escrevendo, como sempre.

Escolhi um exemplo prático para ilustrar essa comunicação. A carta abaixo reproduzida, foi escrita por mim,  aos 11 anos de idade, em agosto de 1975. Meu pai estava a bordo do Navio Tanque Presidente Washington Luiz, da Fronape, e a carta foi encaminhada para a agência marítima E.H. Mundy & Co, em Freeport, nas Ilhas Bahamas. De lá, o navio seguiria para a cidade de Cagliari, na Ilha da Sardenha (Itália). É provável que eu tenha escrito a carta, ao saber que ele não chegaria a tempo para o meu aniversário. Essa distância em momentos especiais da vida da família era uma realidade para nós e ainda é para a vida dos marítimos.

Envelope datilografado em uma máquina Remington


Outro detalhe na carta é a formalidade, eu o chamava com o pronome de tratamento "senhor". A discussão política era uma realidade lá em casa, desde cedo, e na carta eu menciono um episódio relacionado à  censura. Bom, mas leia você mesmo esse documento guardado por mais de 40 anos.

Carta original (1975), escrita em folha de caderno



terça-feira, 7 de junho de 2016

O Sextante do Comandante

Um dos instrumentos mais interessantes da navegação é o sextante. Em uma caixa de madeira, embalagem original, está guardado o sextante usado pelo meu pai em sua trajetória profissional na marinha mercante brasileira. Um equipamento importado da Alemanha, fabricado em 1948, em boas condições de uso até hoje.
Sextante na caixa

Mas afinal, para que serve um sextante? Atualmente, a sua função foi substituída por instrumentos de maior precisão, que utilizam a tecnologia de localização por satélite. No passado, era o instrumento obrigatório e fundamental para a localização da embarcação e definição do seu rumo.

Sextante

Com um conjunto de lentes e espelhos, o sextante faz as medições astronômicas a partir da identificação das estrelas, do horizonte ou de pontos fixos conhecidos. Nas viagens que eu fiz nos navios da Fronape, essa era uma atividade que eu gostava de acompanhar e da qual ainda me lembro de alguns detalhes, mesmo tendo sido há mais de 30 anos. Na área externa do passadiço (na "asa" do passadiço), usava-se o sextante mirando as estrelas no céu, o horizonte ou um farol, e registrando as coordenadas. Dali, com os dados obtidos voltava-se à área interna e registravam-se os dados na Carta Náutica ( o mapa dos oceanos). Com medições e traçados, era possível identificar onde estava o navio e marcava-se o rumo, ou seja, o caminho a ser seguido para se alcançar o destino. A astronomia é uma das disciplinas mais importantes para a formação dos oficiais de náutica da marinha mercante e o meu pai estudou muito este assunto.

Dados técnicos do sextante

Esses detalhes me vieram à lembrança esta semana, quando li as notícias sobre o interesse do governo na  venda da Transpetro, a subsidiária da Petrobras que atua em logística, operando a rede de dutos, terminais e a frota de navios. Cogitar a venda de uma operadora logística deste porte, com uma malha dutoviária com mais de 14 mil quilômetros, 49 terminais e uma frota de 55 navios, essenciais ao transporte do óleo e gás produzidos, é falta de visão estratégica de médio e longo prazo. Parece que falta a essa gente um sextante para saber onde estamos e daí traçar um rumo a um porto seguro. A não ser que não queiram nos levar a um porto seguro...

"Nenhum vento é favorável para quem não sabe aonde vai." (Sêneca)

Navio petroleiro da Transpetro

Para saber mais sobre sextantes:
https://pt.wikipedia.org/wiki/Sextante
https://www.mar.mil.br/dhn/bhmn/download/cap21.pdf

Para saber mais sobre a Transpetro:
http://www.transpetro.com.br


domingo, 14 de junho de 2015

Relíquias e história da FRONAPE

O comandante Veiga Mattos era apaixonado pela profissão e pela empresa na qual trabalhava, a PETROBRAS. Aliás, quando a empresa foi criada ele já trabalhava embarcado, uma vez que naquela época, a Frota Nacional de Petroleiros (FRONAPE) integrava o Conselho Nacional do Petróleo (CNP), sendo incorporada à Petrobras logo após a sua fundação, em agosto de 1953.

Criar uma empresa de petróleo no Brasil representou um desafio a todos aqueles que achavam que o Brasil deveria ser um importador obediente de óleo e derivados. Essa e outras decisões nacionalistas do governo, como foi o caso da Companhia Siderúrgica Nacional, serviram como alguns dos principais itens da ira oposicionista e custaram a vida do presidente Getúlio Vargas.

Lendo as notícias dos jornais, e vivendo o dia-a-dia de especulações e ataques à maior empresa brasileira, vasculhei mais uma vez os armários em busca de inspiração para atualização deste blog. O desenho acima, feito por mim, na década de 70, mostra de forma clara a influência da empresa na vida do meu pai e da família. E a bandeira brasileira representada no desenho, comprova a identidade histórica da empresa com o Brasil. Ao longo dos anos, comemorando as conquistas da empresa, várias lembranças foram produzidas e agora são verdadeiras relíquias históricas; algumas delas eu juntei, fotografei e coloco aqui para vocês verem.

Relíquias de valor afetivo

Entre essas relíquias, de uma outra agenda velha, do ano de 1975, sem capa e meio rasgada, reproduzo o histórico da Fronape ali registrado, para quem não conhece.

"A 13 de março de 1949, o Presidente da República, General Eurico Gaspar Dutra, sancionou a Lei 650 que abria crédito destinado ao Conselho Nacional do Petróleo, a fim de construir uma refinaria a ser instalada no Estado da Bahia e à compra de navios petroleiros, num total de 180.000 toneladas de expoente de carga.
A História evidencia que a autonomia de transporte no mar é imprescindível ao progresso, em se tratando de produtos de petróleo isto é ainda mais importante.
Assim, o decreto nº 28050, de 25 de abril de 1950, assinado pelo Presidente Getúlio Vargas criou então a Frota Nacional de Petroleiros, regulamentada pelo decreto 29006, de 20 de dezembro do mesmo ano.
O primeiro navio da FRONAPE foi o sueco "VENUS" de 16.200 toneladas e na época o maior da América Latina que, ao hastear a bandeira brasileira em 29 de dezembro de 1949 foi rebatizado como "Presidente Dutra", chegando ao Rio no mês de janeiro de 1950.
A 13 de novembro de 1952 o regulamento para a Frota Nacional de Petroleiros foi aprovado pelo decreto 31.775 que a subordinou ao Conselho Nacional do Petróleo.
A lei 2.004 de 3 de outubro de 1953 que instituiu o Monopólio Estatal de várias atividades no setor petrolífero fez que a FRONAPE passasse a integrar a PETROBRAS e crescer com ela.
Esse crescimento originou na organização da PETROBRAS, a criação de Departamentos entre os quais o de Transporte ao qual ficou afeta a FRONAPE.
Os nossos petroleiros sempre singraram os mares transportando suas cargas até os mais longínquos confins da Terra.
De 22 navios cuja tonelagem de porte bruto ia de 2 a 20 mil toneladas no estágio inicial a FRONAPE teve que crescer acompanhando o desenvolvimento até que um só de seus navios atuais tenha de porte bruto mais que toda a frota pioneira.
Os 39 hoje em operação fazem da FRONAPE a maior empresa ao sul do Equador.
Levam o petróleo  derivados a todos os pontos do Brasil e do exterior.
Quando são insuficiente afretam-se navios estrangeiros. Quando é conveniente também afretamos os nossos navios a terceiros no exterior."
Histórico na agenda (1975)

Em 1998 esta frota foi transferida para uma subsidiária (TRANSPETRO) criada para concentrar as atividades de transporte, contemplando oleodutos, gasodutos, terminais e uma frota atual de 52 navios. De acordo com notícias publicadas em alguns jornais, esta empresa está entre os ativos que podem ser vendidos pela PETROBRAS, dentro de um plano de "reestruturação". Se for verdade, dessa história gloriosa e desses navios que nos representam em todo o mundo, só vai sobrar a memória dos petroleiros e vapozeiros.

Dessas relíquias, destaco também o simpático Petrolino, figura de frente neste calendário de 1970.





quinta-feira, 2 de abril de 2015

Tempestade

Para os marítimos, enfrentar tempestades é parte integrante de seu trabalho.

A força das ondas e a resistência dos navios são fenômenos impressionantes e eu me lembro de alguns relatos do meu pai sobre esses enfrentamentos.

Encontrei esse assunto em uma de suas poesias que transcrevo a seguir, na qual ele enaltece a coragem dos homens do mar frente às tempestades. A poesia consta de um álbum de recortes do ano de 1971. Aliás, já mencionei o álbum neste blog, em março do ano passado.

Tempestade

O rugir da tormenta é qual de fera,
Os sêres fracos já se apavoraram,
Pelo terror que o ignoto gera
Aos que dos deuses desacreditaram

Alecto, Tisífone e Megera
Do mal as forças desencadearam,
E no fragor de vero fim de era,
Os elementos se descontrolaram;

E, no meio daquele escarcéu,
Que segue em seu afã destruidor,
O qual agita o mar, oculta o céu,

E turba totalmente o horizonte,
Prossegue o nauta firme e sem temor,
Qual fôra um novel Belerofonte.

Versão original, em álbum de poesias (1971).