sábado, 23 de julho de 2016

Carta para o papai

Os mais jovens devem ter dificuldade para imaginar um mundo sem internet. Sem comunicação instantânea. E foi esta semana, ao ler a notícia sobre o bloqueio do WhatsApp por algumas horas, que me lembrei de voltar a este blog e falar sobre comunicação... por carta!

As vida de viajante do meu pai, fez com que as cartas fossem uma realidade no dia a dia da nossa família.  Era através delas que muitas conversas aconteciam. Até coisas simples ficavam registradas no papel. As comunicações por carta exigiam um planejamento para que chegassem ao destinatário. Afinal, alguém pode pensar, como as cartas podiam chegar a um navio? A regra era conhecer a programação do navio, identificando os locais de passagem e as datas previstas. Com esses dados, elas iam pelo correio ou pela própria empresa, seja por um serviço de malote ou ainda por colegas de trabalho. Em outros registros deste blog, eu mencionei que meu pai estava sempre escrevendo. Por vontade, gosto ou necessidade.

Escrevendo, como sempre.

Escolhi um exemplo prático para ilustrar essa comunicação. A carta abaixo reproduzida, foi escrita por mim,  aos 11 anos de idade, em agosto de 1975. Meu pai estava a bordo do Navio Tanque Presidente Washington Luiz, da Fronape, e a carta foi encaminhada para a agência marítima E.H. Mundy & Co, em Freeport, nas Ilhas Bahamas. De lá, o navio seguiria para a cidade de Cagliari, na Ilha da Sardenha (Itália). É provável que eu tenha escrito a carta, ao saber que ele não chegaria a tempo para o meu aniversário. Essa distância em momentos especiais da vida da família era uma realidade para nós e ainda é para a vida dos marítimos.

Envelope datilografado em uma máquina Remington


Outro detalhe na carta é a formalidade, eu o chamava com o pronome de tratamento "senhor". A discussão política era uma realidade lá em casa, desde cedo, e na carta eu menciono um episódio relacionado à  censura. Bom, mas leia você mesmo esse documento guardado por mais de 40 anos.

Carta original (1975), escrita em folha de caderno



terça-feira, 7 de junho de 2016

O Sextante do Comandante

Um dos instrumentos mais interessantes da navegação é o sextante. Em uma caixa de madeira, embalagem original, está guardado o sextante usado pelo meu pai em sua trajetória profissional na marinha mercante brasileira. Um equipamento importado da Alemanha, fabricado em 1948, em boas condições de uso até hoje.
Sextante na caixa

Mas afinal, para que serve um sextante? Atualmente, a sua função foi substituída por instrumentos de maior precisão, que utilizam a tecnologia de localização por satélite. No passado, era o instrumento obrigatório e fundamental para a localização da embarcação e definição do seu rumo.

Sextante

Com um conjunto de lentes e espelhos, o sextante faz as medições astronômicas a partir da identificação das estrelas, do horizonte ou de pontos fixos conhecidos. Nas viagens que eu fiz nos navios da Fronape, essa era uma atividade que eu gostava de acompanhar e da qual ainda me lembro de alguns detalhes, mesmo tendo sido há mais de 30 anos. Na área externa do passadiço (na "asa" do passadiço), usava-se o sextante mirando as estrelas no céu, o horizonte ou um farol, e registrando as coordenadas. Dali, com os dados obtidos voltava-se à área interna e registravam-se os dados na Carta Náutica ( o mapa dos oceanos). Com medições e traçados, era possível identificar onde estava o navio e marcava-se o rumo, ou seja, o caminho a ser seguido para se alcançar o destino. A astronomia é uma das disciplinas mais importantes para a formação dos oficiais de náutica da marinha mercante e o meu pai estudou muito este assunto.

Dados técnicos do sextante

Esses detalhes me vieram à lembrança esta semana, quando li as notícias sobre o interesse do governo na  venda da Transpetro, a subsidiária da Petrobras que atua em logística, operando a rede de dutos, terminais e a frota de navios. Cogitar a venda de uma operadora logística deste porte, com uma malha dutoviária com mais de 14 mil quilômetros, 49 terminais e uma frota de 55 navios, essenciais ao transporte do óleo e gás produzidos, é falta de visão estratégica de médio e longo prazo. Parece que falta a essa gente um sextante para saber onde estamos e daí traçar um rumo a um porto seguro. A não ser que não queiram nos levar a um porto seguro...

"Nenhum vento é favorável para quem não sabe aonde vai." (Sêneca)

Navio petroleiro da Transpetro

Para saber mais sobre sextantes:
https://pt.wikipedia.org/wiki/Sextante
https://www.mar.mil.br/dhn/bhmn/download/cap21.pdf

Para saber mais sobre a Transpetro:
http://www.transpetro.com.br